As vidas sucessivas – Provas históricas


XVII


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Seria incompleto nosso estudo se não volvêssemos rápida vista para o papel que representou na História a crença nas vidas sucessivas. Essa doutrina domina toda a antiguidade. Vamos encontrá-la no âmago das grandes religiões do Oriente e nas obras filosóficas mais puras e elevadas. Guiou na sua marcha as civilizações do passado e perpetuou-se de idade em idade. Apesar das perseguições e dos eclipses temporários, reaparece e persiste através dos séculos em todos os países.


Oriunda da Índia, espalhou-se pelo mundo. Muito antes de terem aparecido os grandes reveladores dos tempos históricos, era ela formulada nos Vedas e notadamente no “Bhagavad-Gita”. O Bramanismo e o Budismo nela se inspiraram e, hoje ainda, seiscentos milhões de asiáticos – o dobro do que representam todas as agremiações cristãs reunidas – creem na pluralidade das existências.


O Japão mostrou-nos, há pouco, o poder de tais crenças num povo. A coragem magnífica, o espírito de sacrifício que os japoneses mostram em frente da morte, a sua impassibilidade em presença da dor, todas essas qualidades dominadoras, que fizeram a admiração do mundo em circunstâncias memoráveis, não tiveram outra causa.


Depois da batalha de Tsushima, diz-nos o Journal, numa cena de melancolia grandiosa, diante do Exército reunido no cemitério de Aoyama, em Tóquio, o Almirante Togo falou, em nome da Nação, e dirigiu-se aos mortos em termos patéticos. Pediu às almas desses heróis que “protegessem a marinha japonesa, frequentassem os navios e reencarnassem em novas equipagens”. *


* - Ver o Journal de 12 de dezembro, artigo do Sr. Ludovic Nandeau, testemunha da cerimônia. Ver, principalmente, Iamato Damachi, ou a alma japonesa, e o livro do professor americano Hearn, matriculado em uma universidade japonesa: Hakoro, ou a ideia da preexistência.


Se, com o Prof. Izoulet, comentando no Colégio de França a obra do autor americano Alf. Mahan sobre o Extremo Oriente, admitirmos que a verdadeira civilização está no ideal espiritual e que, sem ele, os povos caem na corrupção e na decadência, o Japão, força será reconhecê-lo, está destinado a um grande futuro.


Voltemos à antiguidade. O Egito e a Grécia adotaram a mesma doutrina. À sombra de um simbolismo mais ou menos obscuro, esconde-se por toda parte a universal palingenesia.


A antiga crença dos egípcios é-nos revelada pelas inscrições dos monumentos e pelos livros de Hermes:


“Tomada na origem, diz-nos o Sr. de Vogue, a doutrina egípcia apresenta-nos a viagem às terras divinas como uma série de provas, ao sair das quais se opera a ascensão na luz”; mas, o conhecimento das leis profundas do destino estava reservado só para os adeptos. *


No seu recente livro, La Vie et la Mort, A. Dastre exprime-se assim: **


* - Ver Depois da Morte - A doutrina secreta, o Egito, caps. I e III.


** - Citação de P. C. Revel, Le Hasard, sa Loi et ses Conséquences, pag. 193.


“No Egito a doutrina das transmigrações era representada por imagens hieráticas surpreendentes. Cada ser tinha o seu duplo. Ao nascer, o egípcio é representado por duas figuras. Durante a vigília as duas individualidades se confundem numa só; mas, durante o sono, ao passo que uma descansa e restaura os órgãos, a outra se lança no país dos sonhos. Não é, entretanto, completa essa separação; só o será pela morte ou, antes, a separação completa é que será a própria morte. Mais tarde esse duplo ativo poderá vir vivificar outro corpo terrestre e ter, assim, uma nova existência semelhante.”


Na Grécia vamos encontrar a doutrina das vidas sucessivas nos poemas órficos; era a crença de Pitágoras, Sócrates, Platão, Apolônio e Empédocles. Com o nome de metempsicose * falam dela muitas vezes nas suas obras em termos velados, porque, em grande parte, estavam ligados pelo juramento iniciático; contudo, ela é afirmada com clareza no último livro da República, em Fedra, em Timeu e em Fédon.


* - O vulgo não quer ver hoje na metempsicose mais do que a passagem da alma humana para o corpo de seres inferiores. Na Índia, no Egito e na Grécia era ela considerada, de um modo mais geral, como a transmigração das almas para outros corpos humanos. Tendemos a crer que a descida da alma à humanidade num corpo inferior não era, como a ideia do inferno no Catolicismo, mais do que um espantalho destinado, no pensamento dos antigos, a apavorar os maus. Qualquer retrogradação dessa espécie seria contrária à justiça, à verdade; além de que o desenvolvimento do organismo ou perispírito, vedando ao ser humano continuar a adaptar-se às condições da vida animal, torná-la-ia, aliás, impossível.


“É certo que os vivos nascem dos mortos e que as almas dos mortos tornam a nascer.” (Fedra.)


“A alma é mais velha que o corpo. As almas renascem incessantemente do Hades para tornarem à vida atual.” (Fédon.)


A reencarnação era festejada pelos egípcios nos mistérios de Ísis e, pelos gregos, nos de Elêusis, com o nome de mistérios de Perséfone, em cujas cerimônias só os iniciados tomavam parte.


O mito de Perséfone era a representação dramática dos renascimentos, a história da alma humana passada, presente e futura, sua descida à matéria, seu cativeiro em corpos de empréstimo, sua reascensão por graus sucessivos. As festas eleusianas duravam três dias e traduziam, em comovente trilogia, as alternações da vida dupla, terrestre e celeste. Ao cabo dessas iniciações solenes, os adeptos eram sagrados. *


* - Ver Ed. Schuré, Sanctuaires d'Orient, págs. 254 e seguintes.


Quase todos os grandes homens da Grécia foram iniciados, adoradores fervorosos da grande deusa; foi em seus ensinamentos secretos que eles beberam a inspiração do gênio, as formas sublimes da arte e os preceitos da sabedoria divina. Quanto ao povo, eram-lhe apenas apresentados símbolos; mas, por baixo da transparência dos mitos, aparecia a verdade iniciática do mesmo modo que a seiva da vida transuda da casca da árvore.


A grande doutrina era conhecida do mundo romano. Ovídio, Vergílio, Cícero, em suas obras imorredouras, a ela fazem alusões frequentes. Vergílio, na Eneida, * assevera que a alma, mergulhando no Letes, perde a lembrança das suas existências passadas.


* - Eneida, VI, 713 e seg.


A escola de Alexandria deu-lhe brilho vivíssimo com as obras de Filo, Plotino, Amônio denominado Sakas, Porfírio, Jâmblico etc. Plotino, falando dos deuses, diz: “A cada um eles proporcionam o corpo que lhe convém e que está em harmonia com seus antecedentes, conforme suas existências sucessivas.”


Os livros sagrados dos hebreus, o Zohar, a Cabala, o Talmude, afirmam igualmente a preexistência e, com o nome de ressurreição, a reencarnação era a crença dos fariseus e dos essênios. *


* - Lê-se no Zohar, II: “Todas as almas estão sujeitas à revolução (metempsicose, aleen b'gilgulah), mas os homens não conhecem as vias de Deus, o que é bom.” José (Antiq. XVIII, I, $ 3) diz que o virtuoso terá o poder de ressuscitar e viver de novo.


Da mesma crença encontram-se também vestígios numerosos no Antigo e no Novo Testamento, por entre textos obscuros ou alterados, por exemplo, em certas passagens de Jeremias e de Job, depois no caso de João Batista, que foi Elias, no do cego de nascença e na conversação particular de Jesus com Nicodemos.


Lê-se em Mateus: * “Em verdade vos digo que, dentre os filhos das mulheres, nenhum há maior que João Batista, e se quiserdes ouvir, é ele mesmo que é Elias que há de vir. Aquele que tem ouvidos para ouvir, ouça.”


* - Mateus, XI, 9, 14, 15.


De outra vez interrogaram ao Cristo os seus discípulos, dizendo: * “Por que dizem então os escribas que é necessário que volte Elias primeiro?” Jesus respondeu-lhes: “É verdade que Elias há de vir primeiro e restabelecer todas as coisas; mas digo-vos que Elias já veio, mas eles não o reconheceram e fizeram-lhe o que quiseram.” Então os discípulos compreenderam que era de João Batista que ele falara.


* - Mateus, XVII, 10 a 15.


Um dia Jesus pergunta aos seus discípulos o que diz dele o povo. Eles respondem: * “Uns dizem que és João Batista, outros Elias, outros Jeremias, ou algum dos antigos profetas que voltou ao mundo.” Jesus, em vez de dissuadi-los, como se eles tivessem falado de coisas imaginárias, contenta-se com acrescentar: “E vós quem credes que sou eu?” Quando encontra o cego de nascença, os discípulos perguntam-lhe se esse homem nasceu cego por causa dos pecados dos pais ou dos pecados que cometeu antes de nascer. Acreditavam, pois, na possibilidade da reencarnação e na preexistência possível da alma. Sua linguagem fazia até acreditar que essa ideia estava divulgada e Jesus parece autorizá-la, em vez de combatê-la. Fala das numerosas moradas de que se compõe a casa do Pai e Orígenes, comentando essas palavras, acrescenta: “O Senhor alude às diferentes estações que as almas devem ocupar depois de terem sido privadas dos seus corpos atuais e de terem sido revestidas de outros.”


* - Mateus, XVI, 13, 14; Marcos, VIII, 28.


Lemos no Evangelho de João: * “Havia entre os fariseus um homem chamado Nicodemos, um dos principais dentre os judeus. Esse homem veio de noite ter com Jesus e disse-lhe: “Mestre, sabemos que és um doutor vindo da parte de Deus, porque ninguém poderia fazer os milagres que fazes, se Deus não estivesse com ele.” Jesus respondeu-lhe: “Em verdade te digo que, se um homem não nascer de novo, não pode ver o reino de Deus.” Nicodemos disse-lhe: “Como pode um homem nascer quando é velho? Pode tornar a entrar no ventre de sua mãe e nascer segunda vez?” Jesus responde: “Em verdade te digo que, se um homem não nascer de água e de espírito, não pode entrar no reino de Deus. O que é nascido da carne, é carne; o que é nascido do espírito, é espírito. Não te admires do que te disse: é necessário que nasças de novo. O vento sopra onde quer e tu lhe ouves o ruído, mas não sabes donde vem nem para onde vai. Sucede o mesmo com todo homem que é nascido do espírito.”


* - João, III, 3 a 8.


A água representava entre os hebreus a essência da matéria, e quando Jesus afirma que o homem tem de renascer de água e de espírito, não é como se dissesse que tem de renascer de matéria e de espírito, isto é, em corpo e alma?


Jesus acrescenta estas palavras: “Tu és mestre em Israel e ignoras estas coisas?” Não se tratava, pois, do batismo, que todos os judeus conheciam. As palavras de Jesus tinham um sentido mais profundo e sua admiração devia traduzir-se assim: “Tenho para a multidão ensinamentos ao seu alcance, e não lhe dou a verdade senão na medida em que ela a pode compreender. Mas contigo, que és mestre em Israel e que, nessa qualidade, deves ser iniciado em mistérios mais elevados, entendi poder ir mais além.”


Essa interpretação parece tanto mais exata quanto mais está em relação com o Zohar, que, repetimos, ensina a pluralidade dos mundos e das existências.


O Cristianismo primitivo possuía, pois, o verdadeiro sentido do destino. Mas, com as sutilezas da teologia bizantina, o sentido oculto desapareceu pouco a pouco; a virtude secreta dos ritos iniciáticos desvaneceu-se como um perfume sutil. A escolástica abafou a primeira revelação com o peso dos silogismos ou arruinou-a com sua argumentação especiosa.


Entretanto, os primeiros padres da Igreja e, entre todos, Orígenes e São Clemente de Alexandria, pronunciaram-se em favor da transmigração das almas. São Jerônimo e Ruffinus (Carta a Anastácio) afirmam que ela era ensinada como verdade tradicional a um certo número de iniciados.


Em sua obra capital, Dos Princípios, livro I, Orígenes passa em revista os numerosos argumentos que mostram, na preexistência e sobrevivência das almas em outros corpos, o corretivo necessário à desigualdade das condições humanas. De si mesmo inquire qual é a totalidade dos ciclos percorridos por sua alma em suas peregrinações através do infinito, quais os progressos feitos em cada uma de suas estações, as circunstâncias da imensa viagem e a natureza particular de suas residências.


São Gregório de Nysse diz que “há necessidade natural para a alma imortal de ser curada e purificada e que, se ela não o foi em sua vida terrestre, a cura se opera pelas vidas futuras e subsequentes”.


Todavia, essa alta doutrina não podia conciliar-se com certos dogmas e artigos de fé, armas poderosas para a Igreja, tais como a predestinação, as penas eternas e o juízo final. Com ela, o Catolicismo teria dado lugar mais largo à liberdade do espírito humano, chamado em suas vidas sucessivas a elevar-se por seus próprios esforços e não somente por “graça do Alto”.


Por isso, foi um ato fecundo em consequência funesta a condenação das opiniões de Orígenes e das teorias gnósticas pelo Concílio de Constantinopla em 553. Ela trouxe consigo o descrédito e a repulsa do princípio das reencarnações. Então, em vez de uma concepção simples e clara do destino, compreensível para as mais humildes inteligências, conciliando a justiça divina com a desigualdade das condições e do sofrimento humanos, vimos edificar-se todo um conjunto de dogmas, que lançaram a obscuridade no problema da vida, revoltaram a razão e, finalmente, afastaram o homem de Deus.


A doutrina das vidas sucessivas reaparece novamente em épocas diferentes no mundo cristão, sob a forma das grandes heresias e das escolas secretas, mas foi muitas vezes afogada no sangue ou abafada debaixo das cinzas das fogueiras.


Na Idade Média eclipsa-se quase de todo e deixa de influenciar o desenvolvimento do pensamento ocidental, causando-lhe dano por essa forma. Daí os erros e a confusão daquela época sombria, o mesquinho fanatismo, a perseguição cruel, o ergástulo do espírito humano. Uma espécie de noite intelectual estendeu-se sobre a Europa.


No entanto, de tempos em tempos, como um relâmpago, o grande pensamento ilumina ainda, por inspiração do Alto, algumas belas almas intuitivas; continua a ser para os pensadores de escol a única explicação possível do que, para a massa, se tornara o profundo mistério da vida.


Não somente os trovadores, nos seus poemas e cantos, lhe faziam discretas alusões, mas até espíritos poderosos, como Boaventura e Dante Alighieri, a mencionam de maneira formal. Ozanam, escritor católico, reconhece que o plano da Divina Comédia segue muito de perto as grandes linhas da iniciação antiga, baseada, como vimos, sobre a pluralidade das existências.


O Cardeal Nicolau de Cusa sustenta, em pleno Vaticano, a pluralidade das vidas e dos mundos habitados, com o assentimento do Papa Eugênio IV.


Thomas Moore, Paracelso, Jacob Boehme, Giordano Bruno e Campanella afirmaram ou ensinaram a grande síntese, muitas vezes com o próprio sacrifício. Van Helmont, em De Revolutione Animarum, expõe, em duzentos problemas, todos os argumentos em prol da reencarnação das almas.


Não são essas altas inteligências comparáveis aos cumes dos montes, aos cimos gelados dos Alpes, que são os primeiros a receber os alvores do dia, a refletir os raios do Sol, e que ainda são iluminados por ele quando já o resto da Terra está imerso nas trevas?


O próprio Islamismo, principalmente no novo Alcorão, dá lugar importante às ideias palingenésicas. * Finalmente, a Filosofia, nos últimos séculos, enriqueceu-se com elas. Cudworth e Hume consideram-nas como a teoria mais racional da imortalidade. Em Lessing, Herder, Hegel, Schelling, Fichte, o moço, elas são discutidas com elevação.


* - Ver Surate, II, v. 26 do Alcorão; Surate, VII, v. 55; Surate, XVII, v. 52; Surate, XIV, v. 25.


Mazzini, apostrofando os bispos, na sua obra Dal Concilio a Dio, diz:


“Cremos numa série indefinida de reencarnações da alma, de vida em vida, de mundo em mundo, cada uma das quais constitui um progresso em relação à vida precedente. Podemos recomeçar o estádio percorrido quando não merecemos passar a um grau superior; mas, não podemos retrogradar nem perecer espiritualmente.”


*


Reportemo-nos agora às origens dos franceses e veremos a ideia das vidas sucessivas pairar sobre a terra das Gálias. Essa ideia vibra nos cantos dos bardos, sussurra na grande voz das florestas: “Debati-me em cem mundos; em cem círculos vivi.” (Canto bárdico; Barddas cad Goddeu.)


É a tradição nacional por excelência; inspirava aos pais dos franceses o desprezo da morte, o heroísmo nos combates; deve ser amada por todos aqueles que se sentem vinculados pelo coração ou pelo sangue à raça céltica, móbil, entusiasta, generosa, apaixonada pela justiça, pronta sempre a lutar em prol das grandes causas.


Nos combates contra os romanos – diz d'Arbois de Jubainville, professor do Colégio de França – os druidas ficavam imóveis como estátuas, recebendo feridas sem fugir e sem se defenderem. Sabiam que eram imortais e contavam achar em outra parte do mundo um corpo novo e sempre jovem. *


Os druidas não eram somente homens valentes, eram também sábios profundos. ** Seu culto era o da Natureza, celebrado sob a abóbada sombria dos carvalhos ou sobre as penedias batidas pelas tempestades. As Tríades proclamam a evolução das almas partidas de anoufn, o abismo, subindo vagarosamente a longa espiral das existências (abred) para chegarem, depois de muitas mortes e renascimentos, a gwynfyd, o círculo da felicidade.


As Tríades são o mais maravilhoso monumento que nos resta da antiga sabedoria dos bardos e dos druidas; abrem perspectivas sem limites à vista admirada do investigador. Citaremos três, as que se referem mais diretamente ao nosso assunto, as Tríades, 19, 21 e 36: ***


* - Ver Tácito, Ab excessu Augusti, livro XIV, c. 30.


** - É o que afirmava César nos seus Commentaires de la guerre des Gaules, liv. VI, cap. XIX, edição Lemerre, 1919. Ver também: Alex. Poly. Histor., fragmento 138, na coleção dos fragmentos dos historiadores gregos, edit. Didot, 1849; Strabão, Geogr., liv. IV, cap. IV, Diodoro di Sicilia. Bibl. hist., liv. V, cap. XXVIII; Clemente de Alexandria, Stromates, IV, cap. XXV.


*** - As Tríades, publicadas por Ed. Williams, conforme o original gaulês e a tradução de Edward Darydd. Ver Gatien Arnoult, Philosophie Gauloise, t. I.


“19. Três condições indispensáveis para chegar à plenitude (ciência e virtude): transmigrar em abred, transmigrar em gwynfyd e recordar-se de todas as coisas passadas até anoufn.”


“21. Três meios eficazes de Deus em abred (círculo dos mundos planetários) para dominar o mal e vencer a sua oposição em relação ao círculo de gwynfyd (círculo dos mundos felizes): a necessidade, a perda da memória e a morte.”


“36. Os três poderes (fundamentos) da ciência e da sabedoria: a transmigração completa por todos os estados dos seres; a lembrança de cada transmigração e dos seus incidentes; o poder de passar de novo, à vontade, por um estado qualquer em vista da experiência e do julgamento. Será isso obtido no círculo de gwynfyd.”


Certos autores entenderam, conforme a interpretação que deram aos textos bárdicos, que as vidas ulteriores da alma continuavam exclusivamente nos outros mundos.


Apresentamos dois casos que demonstram que os gauleses admitiam também a reencarnação na Terra. Extraímo-los do “Cours de Littérature Celtique” do Sr. D’Arbois de Jubainville: *


* - T. L, pags. 266, 267. Ver também: H. d'Arbois de Jubainville, Les Druides et les Dieux Celtiques, pags. 137 à 140; Livre de Leinster, pag. 41; Annales de Tigernach, publicação de Whitley Stokes; Revue Celtique, t. XVII, pag. 21; Annales des Quatre Maltres, edição O. Donovan, t. I, 118, 119.


Find Mac Cumail, o célebre herói irlandês, renasce em Morgan, filho de Fiachna, rainha de Ulster, em 603, e sucede-lhe mais tarde.


Os Annales de Tigernach fixam a morte de Find no ano 273 da nossa era, na batalha de Atbrea. “Um segundo nascimento, diz d'Arbois de Jubainville, dá-lhe nova vida e um trono na Irlanda.”


Os celtas praticavam também a evocação dos mortos. Levantara-se uma controvérsia entre Mongan e Forgoll a respeito da morte do rei Folhad, da qual Mongan fora testemunha ocular, e do lugar onde esse rei perdera a vida. “Ele evocou, diz o mesmo autor, do reino dos mortos, Cailté, seu companheiro nos combates. Quando o terceiro dia ia expirar, o testemunho de Cailté fornece a prova de que Mongan falara a verdade.”


O outro fato de reencarnação remonta a época muito mais antiga. Algum tempo antes da nossa era, Aeochaid Airem, rei absoluto da Irlanda, desposara Etâin, filha de Etar. Etâin, já alguns séculos antes, havia nascido em país céltico. Nessa vida anterior foi filha de Aillil e esposa de Mider, deificado depois de morto por causa de suas façanhas.


É provável que na história dos tempos célticos se encontrassem numerosos casos de reencarnação; mas, como se sabe, os druidas nada confiavam à escrita e contentavam-se com o ensino oral. Os documentos referentes à sua ciência e filosofia são raros e de data relativamente recente.


A doutrina céltica, decorridos séculos de esquecimento, reapareceu na França moderna e foi reconstituída ou sustentada por toda uma plêiade de escritores conspícuos: C. Bonnet, Dupont de Nemours, Ballanche, Jean Reynaud, Henri Martin, Pierre Leroux, Fourier, Esquiros, Michelet, Victor Hugo, Flammarion, Pezzani, Fauvety, Strada etc.


“Nascer, morrer, renascer e progredir sempre, tal é a lei”, disse Allan Kardec. Graças a ele, graças à escola espírita de que ele é o fundador, a crença nas vidas sucessivas da alma vulgarizou-se, espalhou-se por todo o Ocidente, onde conta hoje milhões de partidários. O testemunho dos Espíritos veio dar-lhe sanção definitiva. À exceção de algumas almas em grau atrasado de evolução, para quem o passado está ainda envolto em trevas, todos, nas mensagens recolhidas em França, afirmam a pluralidade das existências e o progresso indefinido dos seres.


A vida terrestre – dizem eles –, em essência, não é mais do que um exercício, uma preparação para a vida eterna. Limitada a uma única existência, não poderia, em sua efêmera duração, corresponder a tão vasto plano. As reencarnações são os degraus da subida que todas as almas percorrem em sua ascensão; é a escada misteriosa que, das regiões obscuras, por todos os mundos da forma, nos leva ao reino da luz. Nossas existências desenrolam-se através dos séculos; passam, sucedem-se e renovam-se. Em cada uma delas largamos um pouco do mal que há em nós. Lentamente, avançamos, penetramos mais na via sagrada, até que tenhamos adquirido os méritos que nos hão de dar entrada nos círculos superiores donde eternamente irradiam a beleza, a sabedoria, a verdade, o amor!


*


O estudo atento da história dos povos não nos mostra somente o caráter universal da doutrina palingenésica. Permite-nos, talvez, seguir o encadeamento grandioso das causas e dos efeitos que repercutem através dos tempos, na ordem social. Nela vemos, principalmente, que esses efeitos renascem de si mesmos e volvem à sua causa, encerrando os indivíduos e as nações na rede de uma lei inelutável.


Sob esse ponto de vista, as lições do passado são surpreendentes. Há um cunho de majestade, gravado no testemunho dos séculos, que impressiona o mais indiferente homem, o que nos demonstra a irresistível força do direito. Todo malfeito, o sangue vertido e as lágrimas derramadas recaem cedo ou tarde fatalmente sobre seus autores – indivíduos ou coletividades. Os mesmos fatos criminosos, os mesmos erros produzem as mesmas consequências nefastas. Enquanto os homens persistem em se hostilizarem uns aos outros, em se oprimirem, em se dilacerarem, as obras de sangue e luto prosseguem e a humanidade sofre até o mais profundo das suas entranhas. Há expiações coletivas como há reparações individuais. Através dos tempos exerce-se uma justiça imanente, que faz desabrochar os elementos de decadência e destruição, os germens de morte, que as nações semeiam no seu próprio seio, cada vez que transgridem as leis superiores.


Se lançarmos as vistas para a história do mundo, veremos que a adolescência da humanidade, como a do indivíduo, tem seus períodos de perturbações, de desvarios, de experiências dolorosas. Através de suas páginas desenrola-se o cortejo de misérias consequentes; as quedas profundas alternam com as elevações, os triunfos com as derrotas.


Civilizações precárias assinalam as primeiras idades; os maiores impérios esboroam-se uns após outros na refrega das paixões. O Egito, Nínive, Babilônia e o império dos persas caíram. Roma e Bizâncio, roídas pela corrupção, baqueiam ao embate da invasão dos bárbaros. Depois da Guerra dos Cem Anos e do suplício de Joana d'Arc, a Inglaterra é açoitada por terrível guerra civil, a das Duas Rosas, York e Lencastre, que a conduz a dois passos de sua perda.


Que é feito da Espanha, responsável por tantos suplícios e degolações, da Espanha com seus “conquistadores” e seu Santo Ofício? Onde está hoje esse vasto império no qual o Sol jamais se punha?


Vede os Habsburg, herdeiros do Santo Império e, talvez, reencarnações dos algozes dos Hussitas? A Casa de Áustria é ferida em todos os seus membros: Maximiliano é fuzilado; Rodolfo cai no meio de uma orgia; a Imperatriz é assassinada. Chega a vez de François-Ferdinand e o velho imperador, com a cabeça encanecida, fica sozinho, em pé, no meio dos destroços de sua família e de seus Estados ameaçados de desagregação completa.


Onde estão os impérios fundados pelo ferro e pelo sangue, dos Califas, dos Mongóis, dos Carlovíngios, de Carlos V? Napoleão disse: “Tudo se paga!” E ele mesmo pagou e a França pagou com ele. O império de Napoleão passou como um meteoro!


Detenhamo-nos um instante nesse prodigioso destino, que, depois de haver lançado, em sua trajetória através do mundo, um clarão fulgurante, vai extinguir-se miseravelmente num rochedo do Atlântico. É bem conhecida de todos esta vida e, por conseguinte, melhor do que qualquer outra deve servir de exemplo; nela, como disse Maurice Maëterlinck, pode-se observar que as três causas principais da queda de Napoleão foram as três maiores iniquidades que ele cometeu:


“Foi, primeiro que tudo, o assassínio do Duque de Enghien, condenado por sua ordem, sem julgamento e sem provas, e executado nos fossos de Vincennes, assassínio que fez ao redor do ditador ódios daí em diante implacáveis e um desejo de vingança que nunca abrandou; foi, depois, a odiosa emboscada de Bayonne, a que ele atrai, por baixas intrigas, para despojá-los de sua coroa hereditária, os bonacheirões e excessivamente confiados Bourbons de Espanha; a horrível guerra que se seguiu, que tragou trezentos mil homens, toda a energia, toda a moralidade, a maior parte do prestígio, quase todas as garantias, quase todas as dedicações e todos os destinos felizes do Império; foi, finalmente, a horrorosa e indesculpável campanha da Rússia que terminou pelo desastre definitivo da sua fortuna nos gelos de Berezina, ou nas neves da Polônia.” *


* - Maëterlinck - Le Temple Enseveli, pág. 35.


A história da diplomacia europeia nos últimos cinquenta anos não escapa a estas regras. Os autores de faltas contra a Equidade têm sido castigados como que por mão invisível.


A Rússia, depois de dilacerada a Polônia, prestou seu apoio à Prússia para a invasão dos ducados dinamarqueses, “o maior crime de pirataria cometido nos tempos modernos” – diz um historiador. Foi por causa disso punida, primeiro pela própria Prússia que, em 1877, no Congresso de Berlim, desapossava-a de todas as vantagens obtidas sobre a Turquia; depois, mais cruelmente ainda, pelos reveses da Guerra da Mandchúria e sua terrível repercussão em todo o império dos czares.


A Inglaterra, depois de ter arrastado a França à longa campanha da Criméia, que foi toda em seu favor, não deixou de continuar, mais ou menos por toda a parte, uma política fria, egoísta e homicida. Depois da Guerra do Transvaal, vê-se mais enfraquecida, aproximando-se talvez dos tempos que Sir Robert predisse em termos que causam admiração: “A habilidade de nossos homens de Estado os imortalizará, se, para nós, suavizarem essa descida, de modo a evitar que se transforme numa queda; se a dirigirem de modo a fazê-la parecer-se com a Holanda e não com Cartago e Veneza.”


O destacamento da Irlanda, do Egito, a revolta dos Indianos viera a confirmar essas previsões.


Tal será a sorte de todas as nações que foram grandes por seus filósofos e pensadores, mas que tiveram a fraqueza de pôr seus destinos nas mãos de políticos ávidos e desonestos.


Napoleão III, no exílio, Bismarck, em desvalimento e doloroso retiro, começaram a expiar o seu pouco respeito às leis morais.


Não insistimos sobre esses fatos. Não vimos desenvolver-se sob nossos olhos, de 1914 a 1918, * o drama imenso e vingador, que deixou a Alemanha vencida, punida por seu orgulho e por seus crimes?


* - De 1914 a 1918: foi o período da Primeira Guerra Mundial (N.E.).


Ao mesmo tempo, é preciso reconhecer que a França recebia uma lição terrível, talvez por causa da leviandade, imprevidência e sensualismo de um grande número de seus filhos; mas, com a vitória, encontrava o seu prestígio no mundo. Assim se afirmava uma vez mais a grande missão, o papel providencial que lhe parece destinado e que consiste em proclamar e defender, de todas as formas, pelo verbo e pela espada, o direito, a verdade, a justiça!


A Alemanha e a Áustria, aventuradas num pacto e numa cumplicidade ferozes, tinham sonhado com o domínio da Europa e do mundo: uma sobre o Oriente e a outra sobre o Ocidente. Na perseguição desse objetivo, calcaram os pés nos empenhos mais solenes, por exemplo, para com a Bélgica; não recuaram diante dos crimes mais odiosos. Qual foi o resultado? Após quatro anos de luta encarniçada, os impérios centrais rolaram no abismo. A Áustria é apenas um fantasma de nação, a Alemanha diminuiu, arruinada, presa às lutas internas e a todos os males econômicos.


Não é a repercussão dos acontecimentos de 1870 a 1871? Por sua vez, os alemães tiveram que conhecer a derrota e a anarquia.


Talvez, em nenhuma outra guerra, a luta de dois princípios ficou tão evidente. De um lado, a força brutal, do outro, o direito e a liberdade. E o que prova que Deus não se desinteressou pelo destino de nosso pequeno globo é que o direito venceu! Pode-se dizer que, como os gregos em Maratona e em Salamina, os soldados de Marne e de Verdun, sustentados por esses poderes invisíveis, preservaram a humanidade do domínio da espada e salvaram a civilização. * Este será o justo julgamento da História!


* - Ver minha obra O Mundo Invisível e a Guerra.


Sim, a História é um grande ensino, podemos ler em suas profundezas a ação de uma lei poderosa. Através da sucessão dos acontecimentos, sentimos, por vezes, perpassar como que um sopro sobre-humano; no meio da noite dos séculos vemos luzirem, por um instante, como relâmpagos, as radiações de um pensamento eterno.


Para os povos, como para os indivíduos, há uma justiça; no que respeita aos povos, podemos seguir-lhes a marcha silenciosa. Vemo-la muitas vezes manifestar-se através do encadeamento dos fatos. Não sucede o mesmo com relação ao indivíduo. Nem sempre ela é visível como na vida de Napoleão. Não se lhe pode seguir a marcha quando sua ação, em vez de ser imediata, se exerce a longo prazo.


A reencarnação, o regresso à carne, o escuro invólucro da matéria que cai sobre a alma e produz o esquecimento, encobrem-nos a sucessão dos efeitos e das causas; mas, como vimos, particularmente nos fenômenos do transe, desde que podemos erguer o véu estendido sobre o passado e ler o que está gravado no fundo do ser humano, então, na adversidade que o fere, nas grandes dores, nos reveses, nas aflições pungentes, somos obrigados a reconhecer a ação de uma causa anterior, de uma causa moral, e a nos inclinarmos ante a majestade das leis que presidem aos destinos das almas, das sociedades e dos mundos!


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O plano da História desenrola-se em suas linhas formidáveis. Deus envia à humanidade seus messias, seus reveladores, visíveis e invisíveis, os guias, os educadores de todas as ordens; mas o homem, na liberdade de seus pensamentos, de sua consciência, escuta-os ou desatende-os. O homem é livre; as incoerências sociais são obra sua. Ele lança a sua nota confusa no comércio universal, mas essa nota discordante nem sempre consegue dominar a harmonia dos séculos.


Os gênios enviados do Alto brilham como faróis na escuridão da noite. Sem remontarmos à mais alta Antiguidade, sem falarmos dos Hermes, dos Zoroastros, dos Krishnas, desde a aurora dos tempos cristãos vimos erguer-se a estátua enorme dos profetas, gigantes que avultam também na História. Foram eles, com efeito, que prepararam as vias do Cristianismo, a religião dominadora, da qual mais tarde há de nascer, no evolver dos tempos, a fraternidade universal. Depois vemos o Cristo, o homem de dor, o homem de amor, cujo pensamento irradia, como beleza imperecível, o drama do Gólgota, a ruína de Jerusalém, a dispersão dos judeus.


Aquém do mar azul, o desabrochar do gênio grego, foco de educação, esplendor de arte e ciência, há de iluminar a humanidade. Finalmente, o poder romano, que ensinará ao mundo o direito, a disciplina, a vida social.


Voltam, depois, os tempos de torva ignorância, mil anos de barbárie, a grande vaga e a revessa das invasões, a emergência dos elementos ferozes na civilização, o rebaixamento do nível intelectual, a noite do pensamento; mas aparecem Gutenberg, Cristóvão Colombo, Lutero. Erguem-se as catedrais góticas, revelam-se continentes desconhecidos, a Religião entra na disciplina. Graças à Imprensa, o novo pensamento espalhar-se-á por todos os pontos do mundo. Depois da Reforma virá a Renascença e, em seguida, as Revoluções!


E eis que, após muitas vicissitudes, lutas e dilacerações, a despeito das perseguições religiosas, das tiranias civis e das inquisições, o pensamento se emancipa. O problema da vida que, com as concepções de uma igreja que se tornara fanática e cega, continuava impenetrável, vai esclarecer-se de novo. Qual estrela sobre o mar brumoso, reaparece a grande lei. O mundo vai renascer para a vida do espírito. A existência humana deixará de ser um escuro beco sem saída para se transformar em estrada largamente aberta para o futuro.


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As leis da Natureza e da História completam-se e afirmam-se na sua unidade imponente. Uma lei circular preside à evolução dos seres e das coisas, rege a marcha dos séculos e das humanidades. Cada destino gravita num círculo imenso, cada vida descreve uma órbita. Toda a ascensão humana divide-se em ciclos, em espirais que se vão amplificando, de modo a tomar um sentido cada vez mais universal.


Assim como a Natureza se renova sem cessar em suas ressurreições, desde as metamorfoses dos insetos até o nascimento e a morte dos mundos, assim também as coletividades humanas nascem, desenvolvem-se e morrem nas suas formas sucessivas; mas, não morrem senão para renascer e crescer em perfeições, em instituições, artes e ciências, cultos e doutrinas.


Nas horas de crise e desvario, surgem enviados que vêm restabelecer as verdades obscurecidas e encaminhar a humanidade. E, não obstante a emigração das melhores almas humanas para as esferas superiores, as civilizações terrestres vão-se regenerando e as sociedades evolvem. A despeito dos males inerentes ao nosso Planeta, a despeito das múltiplas necessidades que nos oprimem, o testemunho dos séculos diz-nos que, em sua ascensão secular, as inteligências apuram-se, os corações tornam-se mais sensíveis, a humanidade, no seu conjunto, sobe devagar; a contar de hoje ela aspira à paz na solidariedade.


Em cada renascimento volve o indivíduo à massa; a alma, reencarnando, toma nova máscara; as respectivas personalidades anteriores apagam-se temporariamente. Reconhecem-se, entretanto, através dos séculos, certas grandes figuras do passado; torna-se a encontrar Krishna no Cristo e, em ordem menos elevada, Vergílio em Lamartine, Vercingetorix em Desaix, César em Napoleão.


Em certa mendiga, de feições altivas, de olhar imperioso, acocorada sobre uma esterqueira às portas de Roma, coberta de úlceras e estendendo a mão aos transeuntes, poder-se-ia, segundo as indicações dos Espíritos, no século passado, reconhecer Messalina.


Quantas outras almas culpadas vivem em torno de nós escondidas em corpos disformes, expostas a males que elas por si mesmas prepararam e, de alguma sorte, moldaram com seus pensamentos, com seus atos de outrora? O Dr. Pascal exprime-se assim, a esse respeito:


“O estudo das vidas anteriores de certos homens, particularmente feridos, revelou estranhos segredos. Aqui, uma traição, que causa uma carnificina, é punida, passados séculos, com uma vida dolorosa desde a infância e com uma enfermidade que traz a marca da sua origem – a mudez: os lábios que traíram já não podem falar; ali, um inquisidor torna à encarnação, com um corpo doente desde a meninice, para um meio familiar eminentemente hostil e com intuições nítidas da crueldade passada; os sofrimentos físicos e morais mais agudos acossam-no sem afrouxar.” *


* - Dr. Th. Pascal - Les Lois de la Destinée, pag. 208.


Esses casos são mais numerosos do que se supõe; cumpre ver neles a aplicação de uma regra inflexível. Todos os nossos atos, consoante sua natureza, traduzem-se por um acréscimo ou diminuição de liberdade; daí, para os culpados, o renascimento em invólucros miseráveis, prisões da alma, imagens e repercussão de seu passado.


Nem os problemas da vida individual nem os da vida social se explicam sem a lei dos renascimentos; todo o mistério do ser se resume nela! É dela que nosso passado recebe sua luz e o futuro se engrandece; nossa personalidade amplifica-se inesperadamente. Compreendemos que não é de ontem que data o nosso aparecimento no universo, como ainda é crença de muitos; mas, ao inverso, nosso ponto de origem, nosso primeiro nascimento afunda-se na escuridão dos tempos. Sentimos que mil laços, tecidos lentamente através dos séculos, prendem-nos à humanidade. É nossa a sua história; havemos viajado com ela no oceano das idades, afrontando os mesmos perigos, sofrendo os mesmos reveses. O esquecimento dessas coisas é apenas temporário; dia virá em que um mundo completo de recordações reavivar-se-á em nós. O passado, o futuro e toda a História tomarão a nossos olhos um novo aspecto, um interesse profundo. Aumentará nossa admiração à vista de tão magníficos destinos. As leis divinas parecer-nos-ão maiores, mais sublimes, e a própria vida tornar-se-á bela e desejável, apesar de suas provas, de seus males!


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